
'Tarde demais', lamentam palestinos após ONU declarar que há fome em Gaza

Com panelas e baldes nas mãos, uma multidão de palestinos desesperados precipitou-se neste sábado para conseguir arroz em um refeitório social de Gaza, um dia após a ONU declarar que há fome no território, devastado pelo conflito com Israel.
As imagens da AFP da maior cidade do território palestino, que Israel planeja tomar como parte da intensificação de sua ofensiva militar, mostram mulheres e crianças em meio ao caos, com dezenas de pessoas se empurrando e gritando para conseguir comida.
Uma criança raspou com as mãos alguns grãos que restavam em uma panela. "Não temos casa, nem comida, nem renda (...) então somos obrigados a recorrer aos refeitórios sociais, mas eles não matam nossa fome", disse Yusef Hamad, 58 anos, deslocado da cidade de Beit Hanun.
Mais ao sul, em um refeitório social de Deir al-Balah, Um Mohamad, 34 anos, disse que a declaração de fome feita pela ONU chegou "tarde demais".
A Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC), uma autoridade no tema apoiada pela ONU, informou ontem que a fome afeta 500.000 pessoas na governadoria de Gaza, uma área que abrange cerca de 20% do território palestino. As crianças "cambaleiam por conta da tontura, incapazes de ficar despertas devido à falta de comida e água", descreveu.
O Escritório de Assuntos Humanitários da ONU afirmou ontem que a fome "poderia ter sido evitada" sem "a obstrução sistemática por Israel" da ajuda ao longo dos mais de 22 meses de guerra.
- 'Dever moral' -
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, rejeitou o relatório, que chamou de "mentira descarada".
O chefe da agência da ONU para refugiados palestinos, UNRWA, declarou neste sábado que "é hora de o governo de Israel parar de negar a fome que criou em Gaza".
"Todos aqueles que têm influência devem usá-la com determinação e senso de dever moral", publicou no X o diretor da UNRWA, Philippe Lazzarini.
A IPC previu que a fome se espalhará para as áreas de Deir al-Balah e Khan Yunis até o fim de setembro, abrangendo cerca de dois terços da Faixa de Gaza.
Israel continuava bombardeando o território palestino. Imagens da AFP mostram uma densa coluna de fumaça sobre o bairro de Zeitoun, em Gaza.
- 'Fim está próximo' -
O porta-voz da Defesa Civil de Gaza, Mahmud Basal, descreveu a situação nos bairros de Al-Sabra e Zeitoun como "absolutamente catastrófica", e destacou a "destruição de complexos residenciais inteiros".
Ahmad Yundiyeh, 35 anos, deslocado para os arredores do norte de Zeitoun, disse que está preso e que vive com medo. "Não há segurança em nenhum lugar de Gaza. Deslocar-se agora é sinônimo de morte."
"Ouvimos constantemente o som dos bombardeios (...) ouvimos aviões de combate, artilharia e até explosões de drones", relatou à AFP, por telefone. "Estamos com muito medo, parece que o fim está próximo."
O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, prometeu ontem destruir Gaza se o movimento islamista palestino Hamas não aceitar se desarmar, libertar todos os reféns e pôr fim ao conflito nos termos de Israel.
O ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, que desencadeou o conflito atual, causou a morte de 1.219 pessoas, a maioria civis, segundo levantamento da AFP baseado em números oficiais.
As represálias israelenses na Faixa de Gaza já deixaram 62.622 mortos, a maior parte civis, de acordo com números do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza - governada pelo Hamas -, que a ONU considera confiáveis.
D.Ferrer--HdM